São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, cobri-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o Deus, instantemene o pedimos. E vós, príncipe da milícia celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas. Amém.

 

 

 Anjos, Diabo, demônios: o que a fé da Igreja ensina sobre eles?



 

Côn. Henrique Soares da Costa
Vivemos num mundo bastante contraditório, cheio de paradoxos: de um lado, a tecnologia tão espetacularmente desenvolvida, lavando boa parte da humanidade à miopia do materialismo e ao ateísmo. Há tantos e tantos, coitados, que pensam que a ciência é tudo e que nada mais existe fora da matéria e deste mundo físico: vale e é real somente aquilo que é palpável, mensurável, compreensível! Mas (êta mundo doido!), de outro lado, constatamos o renascimento de um certo misticismo, de um gosto pelo religioso, o misterioso e sobrenatural, só que de um modo mítico, mágico, ingênuo. Isso mesmo: uma religiosidade muito parecida com aquela das religiões pré-cristãs, cheia de anjos, demônios, duendes, espíritos e toda esta parafernália mítica e mágica! E, infelizmente, tanto um erro (o materialismo e o ateísmo) quanto o outro (a religiosidade mágica e simplória, quase pagã) tentam os cristãos. Temos hoje discípulos de Cristo extremamente racionalistas e outros, extremamente crédulos, com uma visão ingênua e tola de Deus e de tudo aquilo que diz respeito à fé.
É neste contexto que decidi, por sugestão de um padre amigo, dedicar alguns artigos àquilo que a fé católica, à luz da Palavra de Deus e da Tradição, afirma sobre os anjos e os demônios. Não é um tema fácil de ser abordado. Vamos seguir o Catecismo e o Magistério eclesial e aprofundá-los com aquilo que a teologia tem de mais recente na sua reflexão sobre este tema.
A primeira coisa que deve ficar bem clara é que a doutrina sobre os anjos e demônios não faz parte da essência, do núcleo do cristianismo. O centro da nossa fé não é o Diabo ou os anjos, mas Jesus morto e ressuscitado. Se tivéssemos de dizer que os anjos e os demônios não existem, em nada a fé cristã seria afetada! No cristianismo a importância das várias afirmações de fé depende do grau de ligação que tenham com o mistério do Senhor Jesus morto e ressuscitado. Então, não se deve supervalorizar a doutrina sobre os anjos e os demônios! Cada coisa no seu lugar e com a sua devida importância. São Paulo já prevenia os Colossenses neste sentido: “Ninguém vos prive do prêmio, com engodo de humildade, de culto dos anjos, indagando de coisas que viu... ignorando a Cabeça, Cristo... (Cl 2,18s).
Ainda mais, há alguns pontos que devemos deixar logo assentados, para começar o nosso tema: (1) Deve-se evitar todo antropomorfismo a respeito dos anjos, com base na nossa realidade espácio-temporal. Em outras palavras: não se deve nem se pode imaginar os anjos como os seres humanos. Eles não são humanos, não têm aparência humana nem estão sujeitos ao tempo e ao espaço do modo que nós estamos. Seu modo de existir é diverso do nosso! Quando a própria iconografia mostra os anjos com asas, é para nos recordar isso: eles são de outra natureza, diversa da nossa: não são humanos! (2) Também é indispensável recordar que quando as Escrituras falam nos anjos ou nos demônios, é necessário levar em conta os gêneros literários e o rico simbolismo que envolve tantas vezes a figura destes seres. Então, cuidado para não se tomar tudo simplesmente ao pé da letra! As conclusões seriam ridículas! Querem exemplos? Aquele demônio, apaixonado por Sara e que foge com o cheiro da fumaça do fígado e do coração do peixe (cf. Tb 2,8; 6,14-18); outro exemplo: os querubins com espadas de fogo, que Deus coloca à porta do paraíso (cf. Gn 3,24). Nestes dois casos – e em vários outros – tratam-se de símbolos. Demônio não se apaixona nem tem medo de fumaça e querubim não tem espada, nem o paraíso tem porta. A Escritura usa, aqui, uma belíssima linguagem poética e simbólica. (3) Os anjos devem ser considerados sempre como espíritos criados, finitos, limitados, pessoais e autoconscientes, pertencentes a este mundo criado por Deus, dele fazendo parte e sendo parte dele. Os anjos não são divinos, não são pequenos deuses! São criaturas e pertencem a este mundo criado por Deus. (4) Os anjos não são autônomos, não podem ser pensados por si mesmos; segundo a Escritura, eles somente podem ser compreendidos em relação com Deus: estão sempre a seu serviço e só aparecem na Escritura em função do plano de salvação de Deus para a humanidade e para toda a criação. Somente nos interessa a respeito dos anjos aquilo que tem a ver com o plano de salvação de Deus. Saber mais que isso seria vã curiosidade e fazer teologia da besteira! (5) Como criaturas, os anjos existem através de Cristo e para Cristo e somente nele encontram o sentido de sua existência e de sua missão. Também os anjos foram salvos por Cristo, pois somente através de Cristo podem ter acesso à vida de Deus Pai na potência do Espírito Santo. Cristo é Cabeça dos anjos e a graça na qual os anjos foram criados é graça de Cristo, através de quem e para quem tudo foi criado no céu e na terra (cf. Jo 1,3; Cl 1,15ss). Por extensão, é necessário também afirmar que eles são e vivem somente no Espírito do Cristo ressuscitado e somente nele podem encontrar sua plenitude como criaturas, que consiste na comunhão com Deus e com toda a criação! (6) Assim sendo, o modo correto de pensar sobre os anjos e demônios é ligando-os a este mundo criado, já que por sua essência os anjos pertencem ao cosmo e compartilham com o homem a única e mesma história da salvação em Cristo Jesus. A angelologia mostra que o homem se encontra numa comunidade de salvação e de perdição mais ampla que a própria humanidade; desta mesma criação a ser salva em Jesus Cristo, os anjos fazem parte. Se o homem é o cume do mundo visível, nem por isso pode pensar que é o centro da criação ou seu ponto mais alto.
Vamos adiante! Deixemos logo claro que “a existência de seres espirituais, que a Sagrada Escritura chama habitualmente de anjos é uma verdade de fé” (Catecismo da Igreja Católica, 328). Então, a Igreja crê firmemente que, além dos seres humanos, Deus criou outros seres inteligentes e livres, invisíveis ao nosso mundo, mas também chamados a amar e servir a Deus. Um católico não deve negar a existência dos anjos! Mas, o que a Sagrada Escritura ensina sobre eles?
Apesar dos textos bíblicos não afirmarem explicitamente a criação dos anjos, estes aparecem simplesmente na história da salvação como criaturas de Deus, de modo particular como seus mensageiros (= malak, em hebraico e angelos, em grego) e realizadores de sua vontade. Então, a palavra “anjo” não indica uma natureza, não quer dizer o que estes seres são em si, mas sim a função que eles têm em relação à humanidade: “são espíritos destinados a servi , enviados em missão para o bem daqueles que devem herdar a salvação” (Hb 1,14). Para a Bíblia, os anjos somente têm interesse enquanto estão a serviço da nossa salvação. Aqui já fica de fora toda aquela especulação boba que a Nova Era faz sobre os anjos! Tudo isso não passa de paganismo barato! Não confundamos os anjos como os cristãos entendem com os espíritos das outras religiões ou os orixás dos cultos afros! Nada a ver! Para nós, os anjos não têm uma ação independente, não fazem simplesmente o que querem, mas estão debaixo das ordens de Deus e como todas as criaturas eles foram criados para Cristo, de modo que ele é seu Cabeça e Senhor (cf. Cl 1,16): Cristo está acima de todos os anjos (cf. Hb 1,5).
No Antigo Testamento, o Senhor Deus é apresentado muitas vezes como se fosse um soberano oriental com sua corte. É um modo simbólico de representar Deus naquele tempo. Neste contexto, os anjos aparecem como servos (cf. Jó 4,18), santos (cf. Jó 5,1; 15,15; Sl 89,6; Dn 4,10) ou filhos de Deus (cf. Sl 29,1; 89,7). São chamados, por sua missão, “mensageiros” (cf. Gn 19,1; 28,12; 32,2; Sl 103, 20), por sua figura ou aparência, “homens” (cf. Gn 18,2.16; 19,12.16), por sua relação com o Senhor Deus, “príncipes dos exércitos celestiais” (cf. Js 5,14) ou “senhores do céu” (cf. 1Rs 22,19). São todos títulos simbólicos, que devemos usar com cuidado e não ao pé da letra! Há também referências aos querubins (cf. Sl 80,2; 99,1; Ez 10,1s; Sl 18,11; Gn 3,24) e aos serafins – cujo nome significa “ardentes” – que cantam a glória do Senhor (cf. Is 6,7). Os querubins e serafins não são anjos no sentido originário da palavra; por isso no início não recebiam o nome de “anjos”. Somente aos poucos, no judaísmo tardio, foram incluídos no grupo de seres designados por anjos. Ao lado desses enigmáticos mensageiros, os relatos bíblicos mais antigos falam no “Anjo do Senhor” (cf. Gn 16,7; 22,11; Ex 3,2; Jz 2,1) que não é diverso do próprio Senhor Deus, manifestado na terra de modo visível (cf. Gn 16,13; Ex 3,2). Parece que esse “Anjo do Senhor” é um modo respeitoso que a Bíblia tem de falar do próprio Deus, sobretudo nos textos mais antigos. À medida, porém, que a revelação bíblica foi progredindo, o papel desse “Anjo do Senhor” vai sendo sempre mais atribuído aos anjos, mensageiros de Deus. Os anjos são descritos de modo geral pela Escritura Sagrada, como seres incorpóreos (cf. Tb 12,19; Gn 18,9; Sl 78,25; Sb 16,20), por isso não poderiam ser percebidos pelos seres humanos. Além de mensageiros de Deus junto aos homens (cf. 1Cr 21,18; Jó 33,23; Tb 3,17; Dn 14,33) e seu protetores (cf. Dn 3,49; 6,23), acreditava-se que os anjos falassem a Deus em favor dos homens (cf. Jó 33,23s; Tb 12,15). Em resumo, o Antigo Testamento afirma claramente a existência dos anjos, mas não apresenta nenhuma reflexão teórica sobre eles. Seu número é muito grande e eles constituem uma espécie de séquito de Deus, sujeitos ao seu domínio universal. Executam os serviços que Deus lhes confia tanto em cada homem quanto na totalidade do povo (cf. 1Cr 21,18; Tb 3,17; Dn 14,22). Mencionam-se somente os nomes de Miguel, Gabriel e Rafael. Qualquer outro nome de anjo é fora da revelação bíblica!
No Novo Testamento também se fala dos anjos como mensageiros celestes, a serviço da obra de Cristo: toda a obra dos anjos aparece, então, relacionada ao Senhor Jesus e à realização da salvação por ele trazida. Eles transmitem aos homens as incumbências divinas; quando aparecem, apresentam-se normalmente como jovens com brilhantes vestes brancas (cf. Mc 16,5; Mt 28,3; Lc 24,4; Jo 20,12; At 1,10). Grande é seu número (cf. Mt 28,53; Hb 12,22; At 5,11; Mt 22,30; 26,53; Lc 12,8s; 1Tm 5,21; Hb 12,22; 1Pd 3,22; Hb 12,22ss). Acompanham especialmente os acontecimentos da vida de Cristo desde o seu início até sua consumação: o Anjo do Senhor, que em Lucas se chama Gabriel, predisse o nascimento e a missão de João Batista (cf. Lc 1,11-12); o mesmo anjo transmite a Maria a mensagem de que há de ser Mãe de Deus (cf. Lc 1,26ss); o Anjo do Senhor tranqüiliza José a respeito do que o Espírito Santo produziu em Maria (cf. Mt 1,20-25); também foi um anjo quem anunciou aos pastores o nascimento de Jesus e uma multidão de anjos louva a Deus por sua benevolência, às portas de Belém (cf. Lc 2,9-15). É ainda o Anjo do Senhor quem aconselha a José a fuga para o Egito com Maria e o menino e, passado o perigo, transmite-lhe a nova ordem de voltar (cf. Mt 2,13.19s). Anjos servem a Jesus quando este, levado pelo Espírito ao deserto, permanece ali quarenta dias em jejum (cf. Mc 1,13; Mt 4,11). O Pai podia enviar a Cristo mais de doze legiões de anjos, se o Filho lhe pedisse, para livrá-lo do sofrimento que sobre ele caiu no Jardim das Oliveiras. Mas como se cumpriria então a Escritura? (cf. Mt 26,53). Um anjo aparece a Cristo em sua angústia mortal e o conforta (cf. Lc 22,43). Quando as mulheres, na manhã da Páscoa, encontram o sepulcro vazio e ficam confusas, homens com vestes brilhantes aparecem diante delas e lhes anunciam a ressurreição do Senhor (cf. Mc 14,5s; Lc 24,1-7). A estes Mateus e João dão o nome de anjos (cf. Mt 28,2; Jo 20,12). Todos os anjos acompanharão o Senhor quando vier para o julgamento do mundo (cf. Mc 8,38; Mt 25,31; 26,27). O Filho do Homem enviará seus anjos com estrépito de trombetas, e eles ajuntarão os eleitos dos quatro ventos, de extremo a extremo do céu (cf. Mt 13,31.39ss.49; 24,31; Mc 13,27).
Segundo o testemunho de Cristo, as crianças têm os seus anjos no céu (cf. Mt 18,10). O próprio Cristo, como Filho de Deus, está acima de todos os seres angélicos, tanto antes da encarnação como depois de sua exaltação à direita de Deus (cf. Mc 13,27; Ef 1,20s; CI 1,16; 12.10; Hb 1,5-14; 2,1-9; 1Pd 3,22). Segundo o desígnio divino, a Igreja criada por Cristo notificará aos anjos a salvação dos homens (cf. Ef 3,10; 1Tm 3,16). Os anjos alegram-se de que os homens se convertam a Deus (cf. 1Pd 1,12). O Apocalipse de João expõe o grande papel que os anjos desempenham na história da salvação.
Já vimos o que o Antigo e o Novo Testamento dizem sobre os anjos. É certo que o Novo Testamento acolheu do Antigo a convicção da existência dos anjos e, ao que parece, o próprio Jesus compartilhou de tal convicção, que aliás, não era unânime na sua época (cf. At 23,8). Isto é importante: os saduceus, por exemplo, não aceitavam a existência deles; Jesus, no entanto, como os fariseus, aceitava e ensinava sobre os seres angélicos. Não é possível, então, dizer que Jesus estava simplesmente adaptando-se à mentalidade do seu tempo: nem todos acreditavam em anjos... e, no entanto, Jesus afirmou a existência deles!
São Paulo, nos seus escritos, segue a convicção do Senhor, e cita também outros grupos de seres celestes: virtudes (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21), potestades (cf. 1Cor 15,24; Ef 1,21, Cl 1,16), principados (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21; Cl 1,16), dominações (cf. Ef 1,21; Cl 1,16) e tronos (cf. Cl 1,16). Não se estabelece a diferença entre eles; parece que Paulo simplesmente aceita a crença corrente no mundo helênico e julga tais seres a partir de Cristo: se existem, foram criados através de Cristo e para Cristo; se são adorados e cultuados pelos pagãos, Paulo os trata como demônios e os reduz a nada (cf. 1Cor 15,24; Ef 6,12; Cl 2,15). O importante é a primazia absoluta de Cristo. Por isso mesmo, neste contexto, o culto dos anjos é reprovado (cf. Cl 2,18).
Concluindo o que diz respeito aos dados bíblicos, poderíamos afirmar o seguinte:
(1) A Escritura afirma a existência dos anjos. A revelação bíblica sobre eles tem sempre uma preocupação com o homem: a Bíblia fala de Deus não primeiramente para revelar quem ele é, mas o que faz em nosso favor: o quanto ele é para nós. Ora, o envio dos anjos é apenas um momento deste voltar-se de Deus para o homem e o nosso mundo: eles estão a serviço da salvação (cf. Hb 1,14). É unicamente deste ponto de vista que a Escritura trata dos anjos: enquanto eles servem ao plano de Deus para a nossa salvação. É totalmente ausente da Revelação qualquer tipo de especulação sobre os seres celestes. Seria, então, ímpio e descabido, além de pura perda de tempo, as especulações, como a de muitas seitas ou de correntes de Nova Era.
(2) Servindo ao plano de Deus, a Escritura mostra-nos sempre os anjos em relação à glória da Deus: o Anjo de IHWH evoca a presença amável do Deus de Israel na história, despertando adoração, louvor, ação de graças. Os querubins exprimem a grandeza e onipresença de IHWH; os anjos na liturgia celeste são constante convite ao louvor e à adoração. Assim a angelologia está em função da teologia: só a Deus o louvor e a glória! É preciso, então, que a atenção aos anjos nem de longe concorra com a centralidade de Cristo, o Filho de Deus, nosso único Senhor.
(3) Os nomes dos anjos, mais que exprimirem uma individualidade deles próprios, comunicam uma qualidade de Deus: sua força (Gabriel = força de Deus), sua unicidade (Miguel = quem como Deus?) e seu cuidado compassivo (Rafael = cura de Deus). O vulto dos anjos é análogo ao vulto dos mártires da Igreja: resplandecem da glória que contemplam... que não é outra que a glória de Cristo, Senhor e Salvador de tudo quanto foi criado, inclusive dos anjos!
(4) Todos os textos do Novo Testamento sobre os anjos devem ser vistos num estreito vínculo com o evento Cristo, em relação à sua encarnação, sua presença operante na Igreja e sua vinda na glória: somente como servos de Cristo e de seus discípulos é que os anjos aparece no Novo Testamento.
(5) O serviço dos anjos a Cristo continua no serviço à Igreja e na Igreja (cf. At 5,20; 12,11; 8,26-29; 10,3; 1Cor 4,9). A sua colaboração no caminho histórico da humanidade continuará até que venha a Parusia do Senhor.
Vejamos, agora, brevemente, o que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo do Senhor Jesus e refletindo sobre a Palavra de Deus, ensinou sobre os anjos. Muitos dos antigos Santos Padres falaram sobre eles. Mas o documento mais importante do magistério sobre o assunto é do IV Concílio do Latrão, em 1215: “(O Deus uno e trino é) único princípio do universo, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, espirituais e materiais, que com a sua força onipotente desde o princípio do tempo criou do nada uma e outra ordem de criaturas: as espirituais e as materiais, isto é, os anjos e o mundo terrestre, e depois o homem, como participante de um e de outro, composto de alma e corpo”. O Concílio Vaticano I reafirmou a doutrina do Concílio Lateranense, citando-o textualmente. Outro texto significativo é o Credo do Povo de Deus, professado pelo Papa Paulo VI em 1972, no encerramento do Ano da Fé: “Cremos em um só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador das coisas visíveis, como este mundo, onde se desenrola a nossa vida passageira; Criador das coisas invisíveis, como os puros espíritos, que também denominamos Anjos...”
Depois de tudo quanto vimos até aqui, deve ficar claro que um católico não pode duvidar da existência de seres inteligentes e livres criados por Deus, além do homem. Isso seria uma temeridade, pois negaria a Escritura, a própria convicção do Senhor Jesus e a constante Tradição da Igreja. Deve-se estar atento que a existência dos anjos – ou a sua não-existência jamais poderiam ser demonstradas cientificamente. Somente pela fé na Revelação sabemos que além de nós, humanos, o Senhor criou um mundo invisível, no qual também seres inteligentes e livres são chamados à comunhão de amor com Ele, o Deus Uno e Trino, e com toda a criação. Por outro lado, é também contrária ao sentir da Igreja e a uma fé madura, uma visão infantil dos anjos. A própria liturgia da Igreja nos dá a justa medida do lugar e do culto desses seres criados por Deus. Na liturgia há somente duas festas que os recordam: a solenidade dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael e a memória dos anjos da guarda. Além do mais, de modo discreto, vários textos da Santa Missa citam os anjos, sobretudo os prefácios da Missa.
Para concluir, vejamos algumas afirmações da teologia, com o intuito de refletir de modo mais detalhado sobre os seres angélicos. Recordemos que são pontos da teologia, importantes, mas não necessariamente obrigatórios para o católico.
Quanto à essência angélica, a doutrina mais antiga afirmava que eles tinham um corpo sutil, diverso do nosso não somente no aspecto, como também no tipo, no modo de ser dessa matéria, de tal forma que não poderíamos imaginar como é um anjo. Hoje, a opinião mais comum entre os teólogos é a favor da pura espiritualidade angélica, apesar de haver teólogos que ainda sustentam a opinião em favor de uma corporeidade sutil. O magistério eclesial não tem nenhum pronunciamento dogmático sobre este tema particular, podendo os fiéis opinarem livremente sobre o tema.
Quanto à personalidade dos anjos, pelo que se pode compreender da revelação bíblica, eles possuem um “eu” pessoal, ou seja, têm uma vida consciente, autodomínio e são capazes de relacionar-se com Deus, com os outros anjos e com a humanidade. A tradição eclesial refuta reduzi-los a simples forças ou qualquer coisa do gênero: eles são “eus” reais. Como nome de anjos devem ser usados somente os três que ocorrem na Escritura: Miguel, Rafael e Gabriel. A Igreja também rejeita que os anjos tenham responsabilidade de dirigir os fenômenos da natureza, como os orixás dos cultos afros. Que todo homem tenha um anjo da guarda não é até agora definido pelo Magistério, mas esta é opinião comum da Igreja desde os tempos antigos. Portanto, é prudente afirmar a existência dos Anjos da Guarda. No que concerne à questão se os anjos estão agrupados em ordens distintas, não há nenhum pronunciamento normativos da Igreja sobre o tema e não se deveria especular sobre isso.
Quanto à questão do conhecimento angélico, sem querer entrar em especulação, podemos, seguindo a Escritura, afirmar um modo de conhecimento superior ao nosso por parte dos anjos. A Escritura exprime tal convicção ao descrevê-los cobertos de inumeráveis olhos, como que afirmando que toda a sua essência é ver. Entretanto, os anjos são limitados e, como tais, não penetram nem as profundezas de Deus (cf. 1Cor 2,10) nem as profundezas do homem: este tem uma esfera íntima escondida aos próprios anjos. Sendo finitos, podemos pensar que os anjos podem crescer na sua ciência em relação à historiada salvação. Os anjos não sabem tudo nem podem tudo!
Ligada a este saber superior está também sua vontade: por ser muito mais penetrante que a nossa e por sua força de conhecimento, eles tomam suas decisões de modo simples e total, tendo consciência de todas as conseqüências de seus atos, de modo que suas escolhas são irrevogáveis nas suas opções: um anjo não pode se arrepender em suas decisões.
Finalmente, quanto à oração aos anjos, os cristãos e toda a Igreja os invocam, já que eles, como os santos, fazem parte da única comunidade de salvação, reunida e vivificada no Espírito Santo do Cristo morto e ressuscitado. Os anjos rezam por nós e nós podemos rezar para eles, como fazemos para os santos de Cristo.
Concluindo, não poderíamos deixar de salientar mais uma vez que as afirmações dos cristãos sobre os anjos haverão de ser sempre fundamentadas e limitadas pela Escritura Sagrada, sem se perder em especulações que a fariam descambar para o mito, a crendice e o esoterismo. É necessária também certa reserva em relação a algumas opiniões excessivas dos antigos Padres da Igreja e de alguns teólogos, inclusive atuais. Ao se falar dos anjos é necessária modéstia: somente podemos afirmar aquilo que a Escritura e a Tradição da Igreja autorizam! Um cristão que deseje ter uma fé madura não mais pode atribuir aos anjos fenômenos que são deste mundo e podem, com tranqüilidade, ter uma explicação natural, o que não significa negar-lhes a ação neste mundo. Como quer que seja, as ciências nunca poderão provar a existência dos anjos e nós sabemos da sua existência somente pela fé.
Se é verdade que a doutrina sobre os anjos não faz parte das doutrinas centrais da fé e não deve ser demasiadamente enfatizada na pregação, é também verdade que tem seu sentido próprio, pois ilustra a vontade de Deus de se comunicar aos homens em Jesus Cristo já a partir da criação. A fé na existência e ação dos anjos leva-nos também a confessar o quanto é limitada a realidade vista por nós e que o Reino de Deus é mais amplo que a realidade que conhecemos. Seria triste se reduzíssemos a realidade e a criação àquilo que nós vemos e tocamos.
Uma coisa é certa: tudo foi criado através de Cristo e para Cristo e, como nós, somente nele tudo encontra o sentido e a realização: “Jesus Cristo é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste” (Cl 1,15-17).
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Depois de ter apresentado a fé da Igreja sobre os anjos, vamos fazer o mesmo para os demônios. Se não é fácil falar equilibradamente sobre os anjos, bem mais difícil é apresentar nos dias atuais, de modo sério e teologicamente consistente, o que a consciência da Igreja afirma sobre o Diabo e os demônios. É importante, desde já, observar que, se a fé cristã crê na existência dos anjos como criaturas livres, é plenamente compreensível a afirmação da Igreja que alguns desses anjos tenham dito “não” ao chamado amoroso de Deus à comunhão com ele. Mas, atenção: nós não devemos especular sobre o que teria sido este “não” a Deus. A Igreja não faz nunca tal especulação! Uma coisa é certa: se tudo foi criado através de Cristo e para Cristo (cf. Cl 1,16) e se Cristo é Cabeça dos anjos e dos homens, então a comunhão dos anjos com Deus ou a perda de comunhão com ele somente pode acontecer através de Cristo e em Cristo. O “sim” ou “não” dos anjos a Deus somente pode se dar em Cristo! Como foi este “sim” e este “não”, não sabemos. A Escritura não é um conjunto de livros para matar nossa curiosidade, mas a revelação de Deus para a nossa salvação; nela é revelado somente aquilo que é importante para o nosso “sim” a Deus. Uma coisa é certa: não se deve pensar no Diabo e nos demônios como seres iguais a Deus em poder ou como seus concorrentes poderosos. O Diabo somente existe porque Deus o criou e permite que ele continue existindo. Os seres diabólicos são seres criados bons e que usaram mal a sua liberdade; eles somente continuam existindo porque Deus continua a amá-los, já que o Senhor é fiel ao seu amor e, uma vez tendo amado, não deixa nunca de amar: o seu nome é Fidelidade, o seu nome é Amor! Então, quando a fé e a teologia cristãs falam sobre o Diabo e seus anjos não é para amedrontar ou fazer especulações fantasiosas mas, ao contrário, para desmascarar o medo e a importância que o mal possa dar ao mal (cf. Jo 12,31). Um cristão maduro e consciente não fica fascinado pelo diabólico, amedrontado, vendo o Diabo em tudo, falando do Diabo o tempo todo, fazendo exorcismo a cada momento! Isso seria superstição e desconhecimento do sentido do Cristo e de seu senhorio! Em Cristo, o mal é desmascarado, perde seu segredo e sua aura apavorante: Cristo é a luz que desmoraliza e desmascara o aparente poderio do mal: “Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?” (1Cor 15,55). A Morte aqui é o Inferno, o Maligno, o Pecado! Somente Cristo é Vencedor e Senhor! Mais uma vez: é proibido ao cristão pensar o demoníaco como um poder contrário a Deus, do mesmo nível que ele e com faculdades de entrar em luta ou em diálogo com ele. O Diabo não tem diálogo nem comunhão com o Senhor Deus: somente a criatura que vive na graça tem tal possibilidade de relação com Deus! Supervalorizar o Diabo é desconhecer o senhorio de Cristo Jesus: ele não é um adversário do Diabo; ele, o Senhor, é o Vencedor!
No Antigo Testamento os termos hebraicos “Satã” ou “Satanás” ou o grego “Diabo” (= aquele que confunde, perturba, desconcerta, desorienta) indicam um ser espiritual malvado, muitas vezes rodeado por muitos demônios que dele dependem e agem sob seu comando. As idéias a respeito do Diabo e seus demônios foi evoluindo aos poucos nas Escrituras Sagradas. Por exemplo, completamente subalterno a Deus, Satã já é apresentado no livro de Jó como uma vontade hostil não ao próprio Deus, mas ao homem: ele não acredita no amor desinteressado (cf. Jó 1-3). Em Zc 3,1-5 ele já é apresentado como verdadeiro adversário dos desígnios do amor de Deus para com Israel. Em 2Cr 21,1, a peste, que na concepção mais antiga era tida como obra do Senhor, é atribuída a esse instrumento da catástrofe e da destruição que já possui um nome próprio - Satã. Em Sb 2,24 é dito claramente que a entrada da morte no mundo deveu-se à inveja do Diabo! Mais tarde, nos escritos do povo judeu e nos ensinamentos dos rabinos um pouco antes do nascimento de Jesus, no período chamado judaísmo tardio, Satã era apresentado como inimigo e sedutor do homem e se esperava a sua derrota no final dos tempos. Satã era visto como alguém que age mal e tem ódio pelos homens; era considerado o príncipe dos espíritos maus (os demônios), de modo que o homem deveria saber distinguir entre os anjos do Senhor e os de Satã. No escrito apócrifo sobre a vida de Adão e Eva, Satã aparece como o tentador que fala através da serpente do Paraíso. Quando Adão pergunta o motivo de seu ódio pelos homens, ele responde que Miguel o expulsou do céu porque se recusara a adorar o homem, imagem de Deus.
O Novo Testamento serve-se freqüentemente das idéias do judaísmo, muitas vezes numa linguagem simbólica, para chamar atenção sobre a urgência de abrir-se para o Reino de Deus trazido por Jesus, expulsando de nossa vida e da vida do mundo o Reino de Satanás: ódio, morte, violência, prepotência e todo o poder do mal moral no mundo.É muito importante compreender que a essência dos textos do Novo Testamento é o anúncio da salvação; os textos que falam de Satanás, são uma advertência para a necessidade e a urgência de decidir-se pelo Reino de Deus! Então, os textos que falam sobre Satã e os demônios jamais podem ser considerados como tendo a mesma importância dos textos que anunciam a salvação: eles são simplesmente o contraponto que alerta para a responsabilidade humana e a possibilidade concreta que temos de dizer um “não” a Deus! Nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), o diabo é chamado “o Inimigo” (cf. Mt 13,36; Lc 10,19) e “o Maligno” (cf. Mt 6,13; 13,19.38) e, nos escritos joaninos, ainda mais intensamente, o Diabo é denominado “o Príncipe deste mundo” (cf. Jo 12,31; 14,30; 16,11; 17,15; 1Jo 2,13s; 5,18) e, portanto, o Adversário da obra da redenção do Filho encarnado (cf. 1Jo 3,8; 3,10). A própria vida e missão de Jesus são apresentadas como uma luta contra Satanás e seu reino: o objetivo de Jesus é a vitória do homem sobre o Diabo, reduzindo-o à impotência.
A Escritura fala em Diabo, Satanás, por um lado, e sempre no singular e, por outro, refere-se aos demônios, também no plural. Que pensar desses demônios? Quem são? Separemos o teológico do mitológico, próprio das culturas antigas!
Era comum a crença em demônios nas culturas do antigo Oriente. Culturas pré-científicas, davam uma feição pessoal a inúmeras forças obscuras que se pensava presentes por trás dos males que assaltam o homem: as várias doenças, sobretudo aquelas mentais, as forças da natureza, tudo isso era personificado, sendo atribuído aos demônios. Praticavam-se, então, ritos mágicos, como parte da medicina, para livrar as pessoas e controlar tais demônios: toda doença era atribuída a um tipo de demônio.
No Antigo Testamento fala-se em demônio do deserto (cf. Lv 16,8-26), da noite (cf. Is 34,14),do meio-dia (cf. Sl 91,6) e outros tantos demônios nocivos (cf. 2Cr 11,15; Is 2,6; Sl 106,6), exprimindo-se, assim, uma clara relação com a natureza. Observe-se que aqui a Escritura não deseja ensinar uma doutrina sobre os demônios, mas simplesmente exprime as crenças populares daquela época. É importante notar que a severa proibição da magia na Lei de Moisés tendia a excluir a doutrina e a prática demonológicas em Israel. A crença nos demônios, portanto, não se refletia de modo importante no Antigo Testamento, salvo em algumas alusões presentes na linguagem popular e em algumas referências à superstição entre os hebreus (cf. Dt 32,17; Sl 106,37; Is 13,21; 34,14). Os profetas protestaram energicamente contra uma visão pagã de tais demônios, na qual eles eram tidos até mesmo como deuses. Além de não falar quase nada sobre demônios, quando fala neles o Antigo Testamento afirma sempre que são subordinados ao Senhor Deus. Nesta linha o judaísmo os vê como espíritos maus, identificados com os ídolos estrangeiros, capazes de seduzir o homem. A literatura dos judeus extra-bíblica demonstra uma crença forte nos demônios e os via como anjos decaídos. Em muitos aspectos tais crenças eram influenciadas pelos mitos da Mesopotâmia e da Grécia. Os demônios eram também identificados com os filhos de Deus que casaram com as filhas dos homens (cf. Gn 6,1-4), de cuja união teriam nascido os gigantes folclóricos da mitologia. Acreditava-se que tais demônios são responsáveis pelas doenças e pelas desgraças. Eles estariam organizados em um reino, sob um chefe chamado Mastema, Belial ou Satanás! Note-se bem que tais crenças eram convicções populares e não doutrina teológica da Escritura! O Novo Testamento adotou a linguagem do judaísmo da sua época, mas purificou-a, adaptando-a à sua missão: os demônios são espíritos impuros que se opõem ao advento do Reino de Deus instaurado por Jesus (cf. Mc 3,22-30); por isso ele os expulsa como sinal do Reino que começa a se fazer presente (cf. Lc 11,20). O ensinamento teológico é importante: onde entra o Reino de Deus que Jesus veio trazer, o reino de Satanás e tudo aquilo que demoniza a vida do homem é expulso! A Páscoa de Jesus é vitória que destruiu tais potências demoníacas (cf. 1Cor 15,23-28; Cl 2,15). Em outros textos neotestamentários, as vítimas dos sacrifícios pagãos são imoladas aos demônios (cf. 1Cor 10,20s) e os demônios são apresentados como espíritos sedutores, responsáveis por falsas doutrinas (cf. 1Tm 4,1); eles chegam mesmo a fazer maravilhas (cf. Ap 16,14), são chamados “anjos de Satanás” (cf. Mt 25,41) e lhes está reservado o fogo eterno. Quanto aos principados, tronos, autoridades, soberanias, dominações e autoridades (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21; 3,10; 6,12; 1,16; Cl 2,10) são de difícil compreensão. O importante é que o Novo Testamento afirma diante deles o absoluto primado de Cristo: se são perversos, foram subjugados por Cristo; se são bons, têm a Cristo como cabeça e estão a seu serviço! Um cristão jamais valoriza os demônios ou se fixa neles, jamais vive falando neles ou os teme: Cristo é o Senhor, Cristo é o centro de tudo e tudo que existe é a ele submetido!
Aqui é necessário perguntar: até que ponto o Novo Testamento, ao falar em Satanás e em demônios, utiliza uma linguagem simbólica da mitologia para personificar o mal? Satanás e seus demônios são seres reais ou somente símbolos do mal e dos males presentes no mundo? Vamos responder a isto mais adiante!
Antes, vejamos o que ensinaram os Padres da Igreja, aqueles santos doutores da Igreja Antiga. O Diabo é chamado sobretudo Satanás, o Maligno, Lúcifer (o portador da luz; isto com base numa exegese inexata de Is 14,12 e Jó 41,10). Metódio chama-o “faraó”, Basílio o denomina “misantropo” (inimigo dos homens, ser anti-social) e muitos outros identificam-no com a serpente de Gn 3 e 2Cor 11,3. No que diz respeito aos demônios, os Padre os consideram anjos decaídos, vítimas do desejo de possuir as filhas dos homens. Quanto ao Magistério da Igreja, impelido pelos erros dualistas dos hereges priscilianos, o Papa Leão I, ensinou em 447, que o diabo não é uma substância originária saída de modo autônomo do caos: ele é criatura de Deus, essencialmente boa, que fez mau uso de sua liberdade. Em outras palavras: o Diabo é criatura de Deus, essencialmente bom, mas que se perverteu pelo mau uso de sua liberdade. Assim, ensinava Inocêncio III, o seu pecado é estruturalmente igual ao dos homens: um ato de livre vontade: “Nós cremos que o Diabo tornou-se mau não por predisposição, mas por livre escolha”. O Sínodo de Braga, em 561 já ensinava igual doutrina e rejeitou a opinião segundo a qual o Diabo seria o responsável pelos trovões, raios e temporais ou, ainda, pela formação do corpo humano no seio materno! Declaração infalível da Igreja sobre o assunto é a do IV Concílio Lateranense em 1215: “O Diabo e os outros demônios foram criados por Deus naturalmente bons e tornaram-se maus por sua própria culpa. E o homem pecou por sugestão do Diabo”. A intenção do Concílio era condenar a heresia dualista dos cátaros e albigenses: estes afirmavam que a matéria não é obra de Deus e que o Diabo e os demônios também não são criaturas de Deus: eram perversos e incriados ou chamados à existência por um princípio do mal anti-divino, independente de Deus. O ensinamento primário do concílio é muito sóbrio: ele ensina que há um só princípio, um só criador de tudo quanto existe: Deus, criador de todo o bem. O mal não vem de Deus, mas do mau uso da liberdade por parte da criatura. Assim, afirma-se a qualidade positiva da criação: tudo que existe vem de Deus e é radicalmente bom!. O concílio não diz nada sobre o número dos demônios, sobre sua culpa ou a extensão de seu poder. Em outras ocasiões o Magistério pronunciou-se sobre o Diabo, mas somente de passagem: ele é o soberano do império da morte e de todo o mal moral presente no mundo; ele é sujeito a uma condenação perpétua.
Quanto ao modo de ação do Diabo e seus anjos no mundo, a teologia clássica e o Magistério ordinário afirmam três modos diversos: (1) a tentação, que se faz à maneira de sugestão, que desperta normalmente uma inclinação para o mal. Mas só há pecado quando a pessoa consente na tentação; (2) a obsessão, ação diabólica apenas exterior, na qual a vítima é atormentada fisicamente, sem que perca o domínio sobre os atos do seu corpo: um tipo de doença, de dor, de mal-estar, que não apresenta causa natural, e (3) a possessão, na qual o demônio se serve do corpo da pessoa, como esta mesma o faria: move-o, fala, atua, sem que o possesso consiga resistir a isso, embora sua vontade permaneça inatingida. Convém ressaltar que não há nenhuma declaração solene da Igreja sobre temas como a possessão e a obsessão.
Diante de tudo quanto já vimos nas Escrituras, nos Santos Padres e no Magistério da Igreja, podemos perguntar: hoje em dia, com o desenvolvimento das ciências psíquicas, com o desenvolvimento científico e tecnológico, tem sentido ainda pensar que o Diabo e seus demônios sejam seres pessoais?
Alguns teólogos e estudiosos da Bíblia mostram-se hoje propensos a negar a existência individual do Diabo: ele seria apenas uma manifestação concreta e simbólica do mal moral no mundo, expressa numa cultura e numa linguagem pré-científicas pelos escritos do Novo Testamento; seria apenas um modo mitológico para representar o mal presente no mundo, mal tão forte e atuante , que ultrapassa a simples soma dos males individuais. Segundo esses estudiosos, na atual sociedade científica pensar num ser não humano que é pervertido, perverso e perversor, seria uma concepção ingênua, insustentável e desnecessária! Há outros teólogos mais moderados que afirmam que ainda que o Diabo não exista como indivíduo, é absolutamente necessário continuar falando nele, como símbolo do mal que ultrapassa a mera soma das opções negativas das liberdades individuais e das maldades dos homens: o mal desencadeado pelo mau uso da liberdade humana teria uma tal força e dinamismo que já não está mais sob o controle do homem, mas se constitui uma realidade como que autônoma, independente de nossa vontade. Por isso seria importante dar a este mal incontrolável, que ultrapassa as forças do homem, uma cara e um nome: Diabo! Mas, que pensar de tais tentativas de compreender a questão do Diabo? São de acordo com a Escritura e com o Magistério da Igreja?
Já vimos que, segundo a maioria dos teólogos, a existência dos anjos é verdade de fé definida pela Igreja. Então, torna-se muito difícil negar a existência individual de Satã e seus anjos sem ferir a fé eclesial! Como já foi dito anteriormente, se existem liberdades criadas além da humanidade e se estas liberdades, apesar de superiores às do homem, são também limitadas, finitas, então é necessário afirmar que tais liberdades são capazes de um “não” a Deus e é plenamente lícito supor que algumas de tais liberdades tenham, efetivamente, respondido de modo negativo a Deus, afastando-se dele de modo definitivo! É isto que de modo constante a Escritura Sagrada e a Tradição da Igreja ensinam! O próprio Catecismo da Igreja reflete tal convicção: ”Por trás da desobediência de nossos pais, há uma voz sedutora que se opõe a Deus. A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo caído chamado Satanás ou Diabo... O Diabo e os outros demônios foram criados naturalmente bons por Deus, mas por si mesmos se tornaram malvados” (Catecismo, 391 – aí o texto cita o Concílio Lateranense IV). Assim, deve-se manter firmemente como sendo parte da fé católica a afirmação da existência do Diabo e seus demônios. No entanto, é necessária a moderação e um mais cuidadoso senso crítico nas afirmações que muitas vezes são feitas sobre o Diabo e os demônios. Há grupos de cristãos que fazem tanta propagando do Diabo, falam tanto em possessão e coisas do gênero, têm uma visão tão infantil e tola sobre estes temas, que chegam perto da heresia! A fé não nos deve fazer tolos e infantis!
Aproveitando o pensamento de grandes teólogos da atualidade, gostaria de fazer algumas observações sobre este tema. (1) Não se pode com tranqüilo desembaraço afirmar que Jesus, no que diz respeito ao Diabo, simplesmente conformou-se à mentalidade do seu tempo: quer dizer, ele falou no Diabo porque as pessoas acreditavam no Diabo, mas o Diabo mesmo não existiria! Ora, nem todos na cultura judaica do tempo de Jesus aceitavam a existência de Satã: é o caso dos saduceus (cf. At 23,8). Então, se Jesus falou sobre Satã, é porque queria realmente ensinar algo sobre ele e prevenir-nos de sua ação nociva! (2) Comparando o Novo Testamento com o Antigo, podemos ver como que um aumento enorme da ação do Diabo, sobretudo no ministério de Jesus! Por quê? Porque quanto mais o homem está próximo a Deus, tanto mais torna-se realista, lúcido e com mais clareza distingue e experimenta o que é santo; em contrapartida, consegue desmascarar o engano do Diabo: ali, onde ninguém vê o mal porque o mal está mascarado, ele consegue enxergá-lo e desmascará-lo. Ora, é precisamente esta a realidade trazida por Cristo: ele é a Luz; com ele as Trevas são desmascaradas e dissipadas! Por isso manifestam-se em toda a sua força: “É a vossa hora e o poder das Trevas” (Lc 22,53). (3) Para avaliar se alguma doutrina é mais ou menos importante para a fé cristã, é necessário sempre perguntar que relação ela tem com a realização prática da vida de fé do crente. Ou seja, uma verdade de fé que tenha um influxo mais direto no desenvolvimento prático da existência cristã deve ser considerada como parte daquilo que é essencialmente cristão. Ora, a luta de Jesus com as potências demoníacas pertence ao específico caminho religioso do próprio Jesus: os estudiosos atuais reconhecem que Jesus, na sua vida histórica, se considerava vindo ao mundo para destruir o reino de Satanás e instaurar o Reino de Deus na força do Espírito Santo (cf. Mc 3,20-30). É surpreendente que ele, que não aceitava ser um Messias “milagreiro”, considerasse a luta contra o Diabo como parte central de sua missão (cf. Mc 1,35-39) e dos poderes que ele concede aos discípulos (cf. Mc 3,14s). É de tal modo importante como Jesus se refere a tais forças demoníacas e sua luta contra elas, que se retirássemos este aspecto, a missão e o caminho espiritual de Jesus teriam que ser interpretados de um modo totalmente diferente! (4) É necessário também observar de que modo determinadas realidades da Escritura foram acolhidas na fé da Igreja: a Igreja deu-lhes uma importância central ou, mesmo sem negá-las, deu-lhes uma importância menor? No nosso tema, pensemos no Batismo, que é experiência central do ser cristão e sempre foi celebrado na Igreja num contexto de luta contra os demônios (basta ver as orações de exorcismos que ainda hoje são feitas sobre os que vão ser batizados!) e renúncia a Satanás, introduzindo o homem no modo de existência de Cristo, na sua luta e na sua liberdade. Para o Novo Testamento e para a Igreja, a partir do Batismo o cristão deverá apropriar-se do caminho do próprio Senhor, vencendo Satanás como Jesus venceu. Portanto, negar a potência demoníaca implicaria numa radical mudança do modo de conceber o Batismo e sua realização na vida cristã! Neste sentido, é importante que a teologia esteja atenta à experiência dos santos. A experiência deles é a mesma de Jesus: quanto maior é a presença da santidade, menos o diabólico pode esconder-se. É sintomático que o escondimento do demoníaco no mundo atual intensifica-se na mesma proporção do desaparecimento do que é santo! Quanto menos santidade, menos consciência do Diabo e de sua obra - o pecado!
Já afirmei que não devemos negar a existência do Diabo e seus demônios, e expliquei o motivo. É verdade que um sério problema atual é a questão de conciliar a fé com a visão científica e até mesmo materialista do mundo atual. Ora, a fé deve ser continuamente crítica daquilo que muitas vezes aparece para o mundo como certeza absoluta simplesmente porque é moderno e novo. Se é verdade que a fé deve respeitar a ciência e não pode contradizer um conhecimento científico garantido e comprovado, não é menos verdadeiro que ela não pode se mover ao sabor dos gostos e modas mentais de cada época e, particularmente, do mundo atual.
Biblicamente falando, é inegável a convicção da existência de forças demoníacas. Também é inegável que tais forças são apresentadas e denominadas de modo muito variável na Escritura. Ora, o problema de sua existência não pode ser resolvido com um simples sopro de desmitização: não basta argumentar que o Diabo e seus demônios são apenas frutos de uma linguagem própria de uma cultura pré-científica e supersticiosa e apenas simbólica e que anjos e demônios não têm uma existência individual concreta! O modo verdadeiro de o homem se libertar do Diabo não é negando sua existência, mas sim colocando-se debaixo do senhorio do Cristo, que vence o mal e as trevas! Por outro lado, é preciso superar aquela visão do Diabo e dos demônios ligadas a um modo de ver o mundo naquela época, como, por exemplo, responsabilizar os demônios pelas doenças, pelos males psíquicos e por todos os problemas da vida ou falar em “potências dos ares” (cf. Ef 2,2). É ridículo e vergonhoso o uso que as seitas pentecostais fazem do Diabo, com prática de falsos exorcismos e outras bobagens! Que os grupos católicos tenham cuidado para não colocarem o Diabo em tudo e verem o Diabo em tudo e em todos. A Igreja não é uma seita nem curral de fanáticos ignorantes!
Uma questão muito interessante é a seguinte: o Diabo é um ser pessoal? O melhor é responder assim: o Diabo é um ser individual, um ser com vontade e inteligência, mas não é um ser pessoal. Por quê? Que significa isso? Vejamos! Que é uma pessoa? É um ser capaz de profunda coerência interior e capacidade de ter relação construtiva com os outros, numa autêntica dimensão de relação eu-tu, no diálogo, na comunicação e na responsabilidade construtiva. Quem é incapaz de amar, de doar-se e de fazer comunhão, vai se despersonalizando! Assim, “pessoal” indica algo de exigência de amor, de construtivo, não sendo uma realidade neutra, mas pressupondo um verdadeiro encontro. Como, então falar do Diabo como pessoa? Ele é “homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44). Então, podemos fazer as seguintes observações:
(1) Satanás é um ser dotado de capacidade de conhecimento e vontade que, porém, não lhe servem para conhecer a verdade e desejar o bem, de modo que o seu agir é profundamente condicionado pela vontade de destruição. Na sua essência puramente espiritual aparece o quanto o mal não é somente privação do bem, mas também um agir ativo contra o bem: o Diabo não é somente uma coisa má; ele é malvado, “Maligno”, no dizer de Jesus, que nos ensinou a pedir: “Livra-nos do Maligno” (Mt 6,13)! Portanto, o bem e o mal, do ponto de vista teológico, só podem ser definidos em relação a Deus, isto é como uma falta diante de Deus ou perversão da relação com ele. Malvada é aquela criatura dotada de liberdade que não reconhece o sentido do seu ser de criatura e quer ser ela mesma seu deus. Ora, o sentido do ser contra Deus somente pode ser encontrado no ser Ninguém: Satanás é Ninguém, mas não é nada! Assim, o mal de Satanás e seus anjos constitui-se na livre negação de Deus e do seu plano salvífico em Jesus Cristo. O mal, portanto, não é simples privação do bem, mas privação de Deus até à perversão de si mesmo, do seu ser criatural: o Diabo é dobrado sobre si mesmo, fechado, endurecido, não pelo seu próprio ser criado, mas por livre decisão sua, de modo que ele subverte seu próprio ser e anula sua própria liberdade como capacidade de bem, de resposta positiva ao Criador, de tal sorte que ele é o Maligno, de um modo que não é possível encontrar nenhuma comparação com tal situação na esfera criada. Dramaticamente, sua essência é o não estar jamais contente consigo mesmo na sua obra de destruir, desejando destruir sempre mais! Por tudo isso, o Maligno é contraditório, perverso, esquizofrênico, totalmente alienante, absurdo, desorganizado, destrutivo e caótico.
(2) O poder das trevas se manifesta, mas jamais se revela: o Diabo esconde-se a qualquer identificação: ele é o “Príncipe das Trevas”, agindo sempre no escuro... e aqui reside a fonte da incompreensibilidade do Maligno: único na sua essência, múltiplo no seu aparecer, nada e ao mesmo tempo extremamente destrutivo, pessoal e ao mesmo tempo irreconhecível, transfigurado em anjo de luz! Por isso mesmo, ele é a negação de pessoa e da personalidade: ele age de um modo que dissolve a pessoa, deformando o homem em uma massa, uma multidão sem personalidade, sem moral e sem forma, que pensa que se acha livre de toda a responsabilidade pessoal. É o que se esconde por trás das modas do mundo, por trás dos poderes anônimos dos meios de comunicação, dos mercados financeiros e das potências políticas... O Diabo não tem cara, não tem identidade! É aqui que aparece a característica do demoníaco: a sua ausência de fisionomia, o seu ser anônimo, impessoal: ele é não-pessoa, a desagregação, a dissolução do ser pessoa, o sem-face, de modo que sua irreconhecibilibade é sua verdadeira força. Assim, ele é uma potência real, ou melhor, um concentrado de potências e não uma simples soma de “eu” humanos. Daqui é possível compreender como a força anti-demoníaca por excelência seja o Santo Espírito do Ressuscitado: ele é o laço de Amor no qual Pai e Filho se constituem numa só coisa; nele o cristão encontra a unidade com Deus em Cristo e, através de Cristo, com os irmãos; nele, no Santo Espírito, somos muitos, mas formamos um só corpo; ele é unidade que respeita a diversidade e diversidade que gera unidade! Por isso mesmo o cristianismo terá sempre uma missão de exorcismo: não aqueles exorcismos ridículos das seitas pentecostais, mas sim o verdadeiro exorcismo: desmascarar e expulsar o demoníaco que se esconde no anonimato das modas e ideologias de cada época e no nosso próprio coração. O primeiro e mais importante exorcismo é descobrir, com a luz de Cristo, nossos demônios e expulsá-los em nome do Senhor ressuscitado... expulsá-los também das realidades e estruturas pecaminosas do mundo!
(3) Estas reflexões mostram que o ser pessoal do Diabo revela aspectos coletivos, a tendência de mascaramento, a intenção de enganar e o caráter de anonimato: “o mundo é assim mesmo... se todo mundo faz assim, pensa assim, então o certo é assim...” – pensar e viver deste modo é diabólico! O Diabo é não-pessoa, manifestando-se em estruturas tipicamente a-pessoais, dissolvidas na massa. É exatamente aqui que os cristãos receberam de Cristo a missão de exorcizar Satanás e seus demônios: é dever dos discípulos de Cristo desmascarar e denunciar o mal, exorcizando-o em nome do Ressuscitado: a “inocência” diabólica da Xuxa, a “bondade” pagã do Gugu, a gracinha maléfica do Papai Noel, a “paz” do carnaval, a “liberdade” que os sexólogos defendem e que não passa de vulgar egoísmo e irresponsabilidade... Este exorcismo não se constitui simplesmente numa renúncia ao mal, “humanamente correta”, mas numa invocação do poder daquele Cristo Senhor, que recebeu toda autoridade no céu e na terra: somente na sua graça e com sua força o homem poderá vencer e expulsar o Maligno do seu coração e do coração do mundo!
Já vimos que é de fé da Igreja a convicção da existência dos anjos e, conseqüentemente, dos demônios. Também vimos que não se deve ver o demônio em tudo! O Pe. Oscar Quevedo, no seu livro “Antes que os demônios voltem” procura exatamente acabar como esta mania de demônios que muita gente possui. No entanto, o Pe. Quevedo exagera na direção contrária, afirmando que os demônios não agem no mundo. Isso não é verdade e, para sermos bem francos, fere a fé católica! Com prudência e bom senso, analisemos as três formas de ação dos demônios no mundo:
1. A tentação. Aqui o demônio procura colocar o ser humano à prova. Não podendo conhecer o íntimo do homem (só Deus nos conhece até o íntimo!), o demônio procura descobrir nossos pontos fracos, sugerindo pensamentos e afetos que possam despertar nossos vícios e más tendências. Quando o demônio tenta, não pode determinar nossa vontade nem ferir nossa liberdade: a tentação é uma sugestão e o homem pode refutar tal sugestão maléfica. Jesus ensinou-nos a pedir que o Pai não nos deixe cair na tentação, mas nos livre do Maligno! A tentação, em si, não é pecado. O pecado começa quando a pessoa começa a deleitar-se com aquela sugestão, consentindo que ela volte sempre e permaneça na mente e no coração. O deleite torna-se, finalmente, consentimento, e aí se passa à ação pecaminosa! A tentação é possível devido à nossa natureza humana ferida pelo pecado, tornada tão contraditória. Note-se que a ciência (psicologia, psiquiatria, parapsicologia) jamais poderão discernir a ação do demônio, porque ele age de modo mascarado na e através da nossa estrutura psíquica. Como se vence a tentação? Pela prática dos sacramentos, pela escuta da Palavra de Deus, pela oração, pela penitência e pela perseverança na prática do bem! Aí a tentação torna-se ocasião de mérito e crescimento para nós. O demônio, então, perde a batalha!
2. A obsessão. Também é chamada de infestação, e é dividia em infestação local e infestação pessoal. A infestação local é o influxo do demônio sobre determinado lugar, podendo causar efeitos extraordinários e fazer mal a plantas e animais. A infestação pessoal atua no corpo ou no psiquismo da pessoa, provocando distúrbios neuro-psquícos. O demônio, de modo bizarro, molesta sua vítima com a produção de sons, de vozes e imagens, além de provocar tentações que são diferentes das comuns pela violência, pelo modo repentino e pela continuidade. Aqui é necessário discernimento, porque muitas vezes tudo não passa de problemas naturais mesmo! O nosso povo tem a tendência de atribuir doenças nervosas e psíquicas ao sobrenatural. Está errado! É necessário discernimento. Nestes casos deve-se procurar um padre de bom senso (nada de pastores, pais-de-santo ou médiuns espíritas!). Seria bom o sacerdote escutar algum médico, psicólogo ou psiquiatra para completar bem o seu julgamento sobre a questão. O padre verificará e, percebendo que realmente pode haver algo mais que uma realidade simplesmente natural, é aconselhável naquele lugar fazer algumas orações. Por exemplo: pode, de estola roxa, convidar as pessoas à oração, rezar o salmo 90, ler algum texto do Evangelho que narre um exorcismo e, de modo espontâneo, fazer uma oração ao Pai, pelo Filho no Espírito, suplicando que Deus afaste daquele lugar ou daquela pessoa todo o mal, todo o pecado e toda a possível influência do Maligno. Não seria necessário dirigir-se diretamente ao demônio. Ao final aspergiria o local ou a pessoa com a água benta, rezaria o Pai-nosso, a Ave-Maria ou o Sub tuum praesidium e daria a bênção final. Em se tratando de uma possível infestação pessoal mais grave, poderia usar o exorcismo do Papa Leão XIII. Pode fazê-lo sem a permissão do Bispo. O que não deve é dar show, mas ter bom senso, ser reservado e evitar incentivar ver o demônio em tudo! Seria muito errado um padre fazer essas orações por qualquer doença ou qualquer fenômeno psíquico! Por sua vez é errado o fiel católico não seguir a orientação do padre e querer, por fim da força, ver o demônio onde não há ação do demônio, a não ser na teimosia do leigo impressionado!
3. A possessão. É a forma mais grave de influxo do demônio sobre o ser humano. Trata-se de um domínio que o demônio exerce diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma de uma pessoa. Aqui é preciso ser claro: se é verdade que boa parte dos teólogos afirma a possessão e o magistério da Igreja também fala da sua possibilidade, por outro lado, não há nenhuma afirmação dogmática da Igreja que nos obrigue a aceitar a possessão. Pode ser prudente aceitar que exista a possessão, mas não é contra a fé católica negar que ela exista! Em todo o caso, somente um padre encarregado pelo Bispo poderá averiguar se a possessão é real e, somente com a ordem do bispo poderá proceder ao exorcismo de acordo com o ritual da Igreja. Recorde-se, porém, que pelas leis da Igreja nem ao Bispo é permitido autorizar um exorcismo sem antes ter ouvido médicos, psicólogos, psiquiatras e parapsicólogos. Somente após verificar todas as possibilidades naturais é que deve pensar na possibilidade de autorizar um exorcismo.
Concluímos aqui nossa apresentação sobre os anjos e demônios. Espero que estas reflexões tenham ajudado a compreender melhor estas realidades da nossa fé. Que saibamos louvar a Deus pelos nossos irmãos, os anjos que, como nós, foram criados para Deus e o glorificam sem cessar e nos ajudem a combater os demônios e nossos demônios interiores. Mas, este combate é sem superstições grosseiras e sem cair numa domonomania: parafraseando o Pe. Quevedo, quem faz de toda besteira um demônio, faz do demônio uma besteira! O centro de nossa fé e de nossa atenção é o Cristo, morto e ressuscitado, vencedor do mal e da morte! Estando unidos a ele nada temeremos! Uma última e insistente observação: afirmar a existência dos anjos e demônios não autoriza os cristãos a uma concepção mítica da realidade nem a uma interpretação ingênua e grosseira dos textos evangélicos! Já bastam as seitas nascidas do protestantismos para fazerem esse papelão que leva ao ridículo a fé cristã!

FONTE

 

"São Miguel Arcanjo, protegei-nos no combate, defendei-nos com vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o Deus, insistentemente pedimos, e vós, príncipe da milícia celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que vagueiam pelo mundo, para perder as almas. Amém".

 

 

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